- Marcelo Pierotti
5 Poemas de Murilo Mendes

Murilo Mendes (1901 – 1975), foi um poeta e prosador brasileiro nascido em Juiz de Fora, MG. Lançou seu primeiro livro, Poemas, em 1930, bastante influenciado pelo Movimento Modernista. Tornou-se um expoente do surrealismo na literatura brasileira, deixando entrever traços cubistas em livros como As Metamorfoses e Mundo Enigma. Ainda flertou com a estética vanguardista em Convergência, obra claramente influenciada pelo Concretismo.

CAVALOS
Pela grande campina deserta passam os cavalos a galope.
Aonde vão eles?
Vão buscar a cabeça do Delfim rolando na escadaria.
Os cavalos nervosos sacodem no ar longas crinas azuis.
Um segura nos dentes a branca atriz morta que retirou das águas,
Outros levam mensagens do vento aos exploradores desaparecidos,
Ou carregam trigo para as populações abandonadas pelos chefes.
Os finos cavalos azuis relincham para os aviões
E batem a terra dura com os cascos reluzentes.
São os restos de uma antiga raça companheira do homem
Que os vão substituir pelos cavalos mecânicos
E atirá-los ao abismo da história.
Os impacientes cavalos azuis fecham a curva do horizonte,
Despertando clarins na manhã.
CANÇÃO DO EXÍLIO
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
Nossas frutas mais gostosas
Mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
ESTUDO Nº 6
Tua cabeça é uma dália gigante que se esfolha nos meus braços.
Nas tuas unhas se escondem algas vermelhas,
E da árvore de tuas pestanas
Nascem luzes atraídas pelas abelhas.
Caminharei esta manhã para teus seios:
Virei ciumento do orvalho da madrugada,
Do tecelão que tece o fio para teu vestido.
Virei, tendo aplacado uma a uma as estrelas,
E, depois de rolarmos pela escadaria de tapetes submarinos,
Voltamos, deixando madréporas e conchas,
Obedecendo aos sinais precursores da morte,
Para a grande pedra que as idades balançam à beira-nuvem.
EXPLOSÕES
A ode explode. O bode explode.
O Etna explode. O erre explode.
A minha explode. A mitra explode.
Tudo agora e amanhã explode.
Exceto a Bomba: o homem não pode.
O homem não pode. O homem não pode. O homem não pode.
*
O homem pode:
Soltar a vida. Fuzilar a Bomba. Reinventar a ode.
LA NIÑA DE LOS PEINES
Sua voz:
Esta é a própria flecha da alma
Vertical na sua origem,
Forçada a se transformar em curvas,
Abrindo a lamentação
Que nasce no deserto anterior
E provoca à sua passagem o eco andaluz.