- O Caos Cultural
Drummond Explica o Poeta

Nascido em 31 de outubro de 1902, na pequena cidade de Itabira, Carlos Drummond de Andrade foi um contista, cronista e, principalmente, um poeta. De família de fazendeiros, de importância no interior de Minas Gerais à poeta no Rio de Janeiro. De anarquista militante à servidor público. Drummond manteve viva em si toda sua herança histórica, procurando, por meio dos versos, se reconectar ao seu passado, negando a possibilidade de tornar-se diferente do que outrora fora, perdendo-se de sua essência nessa nova vida que construíra.
Carlos Drummond de Andrade é considerado o poeta brasileiro mais influente do século XX, e o maior nome da segunda geração do Modernismo Brasileiro.
Abaixo, vídeos e poemas em que o próprio poeta se explica.
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Confidência do Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: [esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;] este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; este orgulho, esta cabeça baixa…
Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!
As sem-razões do amor Eu te amo porque te amo, Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários. Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor.
Ausência
Por muito tempo achei que a ausência é falta. E lastimava, ignorante, a falta. Hoje não a lastimo. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim. E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços, que rio e danço e invento exclamações alegres, porque a ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.
Poema de Sete Faces
Quando nasci, um anjo torto Desses que vivem na sombra Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida
As casas espiam os homens Que correm atrás de mulheres A tarde talvez fosse azul Não houvesse tantos desejos
O bonde passa cheio de pernas Pernas brancas pretas amarelas Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração Porém meus olhos Não perguntam nada
O homem atrás do bigode É sério, simples e forte Quase não conversa Tem poucos, raros amigos O homem atrás dos óculos e do bigode
Meu Deus, por que me abandonaste Se sabias que eu não era Deus Se sabias que eu era fraco
Mundo mundo vasto mundo Se eu me chamasse Raimundo Seria uma rima, não seria uma solução Mundo mundo vasto mundo Mais vasto é meu coração
Eu não devia te dizer Mas essa lua Mas esse conhaque Botam a gente comovido como o diabo
Drummond faleceu em 1087, 12 dias após a morte de sua filha, em Ipanema, vítima de um infarto.
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